Sudários

Após camadas de intenções materializadas em pigmentos e aglutinantes e que desdobram-se entre veladuras e saturação, é possível perceber as marcas ou os registros dessa fatura? De onde ela veio, o quê ela foi e em quê ela se transformou? Ela esconde ou revela a centelha que motivou quem a fez? Em primeiro plano, figurativo e saliente, como que querendo subjugar qualquer tentativa de desdobramento, surge justamente o último passo da trajetória do artista. Será que ele quis omitir tudo pelo que passou ou, em um gesto pictórico, sacralizar este fazer? Podemos partir da premissa de que a arte corresponde à criação de um sistema destinado a transformar coisas materiais em imateriais - sejam pigmentos em cor, cor em forma, forma em composição, composição em conceitos. Pretender fechar questões, resolver problemas ou sanar dúvidas é uma quimera pretensiosa de quem se julga criador. Estes sudários não permitem veleidades dessa monta. Eles não renegam sua matéria, tampouco sua poética manufaturada. São registros de humanidade e fragilidade, de um humor que nivela a todos como "agregados infelizes de sangue e cal" que tentam, quixotescamente, eternizar instantes e paixões em crônicas datadas.